Tal qual os ouvidos de mãe, que são dotados de seletividade, para que não ouçam todas os choros que lhes são direcionados, nossa percepção escolhe o que se há para registrar em um ambiente, talvez como forma de proteção, para que possamos prosseguir sem culpa e dormir, ainda que mal. Assim, nos escoramos na inconsciência do cotidiano e temos abrigos nas nossas fortalezas sensoriais e tudo fica bem.
Mas o desastre se torna fato quando esse sistema de defesa social falha e pela primeira vez, além de olhar, enxerguei. Ela tinha frio e fome e eu dúvidas, preconceitos, além das vozes oportunistas que, sempre à postos, se empostam para dizer o que é certo e o que é errado, com precisão milimétrica, com bases sólidas, tiradas sabe-se lá de onde. É a mecanica mental involuntária se propondo a me tirar dessa cilada que eu fui me meter.
Fui forte. Ainda dessa vez mais, eu disse não, pelo o que agradeceu e se foi, mas agora me vem a ideia fixa, no fim do dia, de quem virou as costas fui eu, e parti, sem querer ver o que ficou alí, estático, jogado no chão.
Nada fora do comum para as retinas, mas agora a coisa toda parecia bem mais concreta, ao passo que eu me tornava tangível para ela também. A coisa, ao perceber essa troca de realidades, tratou de se apressar em explorar as possibilidades e se colocou a me atacar, e me senti fraco, incapaz, inútil. O egoísmo tentou culpar a administração pública, a má-sorte e o destino, mas aquilo fez questão de jogar na minha cara que a omissão é minha e que enquanto penso em tudo isso, aquela menina continua tendo frio e chora de barriga vazia, cercada de robôs que, com seus dispositivos defensivos atualizados, sequer a vêem.
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