terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Roboticidade

Tal qual os ouvidos de mãe, que são dotados de seletividade, para que não ouçam todas os choros que lhes são direcionados, nossa percepção escolhe o que se há para registrar em um ambiente, talvez como forma de proteção, para que possamos prosseguir sem culpa e dormir, ainda que mal. Assim, nos escoramos na inconsciência do cotidiano e temos abrigos nas nossas fortalezas sensoriais e tudo fica bem.

Mas o desastre se torna fato quando esse sistema de defesa social falha e pela primeira vez, além de olhar, enxerguei. Ela tinha frio e fome e eu dúvidas, preconceitos, além das vozes oportunistas que, sempre à postos, se empostam para dizer o que é certo e o que é errado, com precisão milimétrica, com bases sólidas, tiradas sabe-se lá de onde. É a mecanica mental involuntária se propondo a me tirar dessa cilada que eu fui me meter.

Fui forte. Ainda dessa vez mais, eu disse não, pelo o que agradeceu e se foi, mas agora me vem a ideia fixa, no fim do dia, de quem virou as costas fui eu, e parti, sem querer ver o que ficou alí, estático, jogado no chão.

Nada fora do comum para as retinas, mas agora a coisa toda parecia bem mais concreta, ao passo que eu me tornava tangível para ela também. A coisa, ao perceber essa troca de realidades, tratou de se apressar em explorar as possibilidades e se colocou a me atacar, e me senti fraco, incapaz, inútil. O egoísmo tentou culpar a administração pública, a má-sorte e o destino, mas aquilo fez questão de jogar na minha cara que a omissão é minha e que enquanto penso em tudo isso, aquela menina continua tendo frio e chora de barriga vazia, cercada de robôs que, com seus dispositivos defensivos atualizados, sequer a vêem.

sábado, 10 de abril de 2010

Do Alto

É bem quando os dias ficam meio nublados que me vem denovo aquela mesma vontade de ir pra lua, igualzinha a que eu tenho desde criança. Lá, não sou amigo do rei, como Manuel é em Pasárgada... acho que nem rei por aquelas bandas tem. Talvez seja por isso que eu sisme em tanto gostar de lá: lá não tem rei, não tem chefe, nem trânsito, nem multidão. Sou só eu e o tempo, e este, de sobra e só pra mim.

Não, não. Não fujo de problema. Nunca fui, não sou e espero nunca ser de fazer dessas coisas, mas as vezes o melhor é evitar a confusão, seja aquela rotineira ou a de efeitos mais catastróficos. Falta de coragem? Não também. Estratégia! Estratégia e uma auto-permissão para descansar. Descansar até cansar.

Coisa simples: saio do trabalho, passo em casa pra jogar umas três ou quatro mudas de roupa na mochila, entro na minha nave e me mando pro tal do satélite natural. Fico lá por uns tempos. Um lugar pra deitar e contar estrelas, meteoros e ver outros planetas. É tudo o que eu preciso. Dá até pra enxergar os seres que os habitam, tão pequeninos. Analiso suas atitudes: Se acham tão inteligentes, mas tomam decisões ilógicas; se acham tão bons, mas brigam por coisas fúteis; se acham tão especiais, mas não enxergam beleza nas coisas simples. Caio na risada sozinho. Se eles fossem como os terráqueos...

Quando enjoo de tanta areia (ou seriam buracos feitos de queijo?), volto, e uma pessoa bem melhor. Daí então, consigo sorrir sinceramente, ser menos indiferente, brincar infantilmente, viver plenamente, amar incondicionalmente. Sempre volto. Não seria uma boa coisa me mudar, fazer de lá um lar permanente. Vou, justo pra poder voltar e contar o segredo: se hoje o dia tá nublado, amanhã o sol torna a brilhar. Assim como eu, ele sempre volta.

terça-feira, 16 de março de 2010

Ela...

Ela me faz rir feito criança.
Ela sabe o que eu penso, mesmo que eu não diga uma palavra.
Ela tem a voz mais linda quando acorda.
Ela me faz dormir pensando nela.
Ela me faz acordar pensando nela.
Ela melhora até as piores manhãs de segunda.
Ela também me confunde da cabeça aos pés.
Ela dança feito louca músicas esquisitas.
Ela é dona do par de pernas mais lindas.
Ela tem o mesmo ritmo que o meu.
Ela fala comigo por sinais, e nos olhos trás a poesia.
Ela sabe exatamente o que sinto, parece que por telepatia.
Ela sempre se atrasa e nem assim me deixa bravo.
Ela faz meu coração bater mais rápido.
Ela tem o segredo que faz parar meu tempo.
Ela me dá colo pra eu deitar e dormir.
Ela me dá o mundo só com o seu jeito de sorrir.
Ela conhece os meus defeitos e me ama mesmo assim,
E eu amo ela com toda a força que eu tenho, de trás pra frente, do começo ao fim.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Só de Sacanagem!

Meu coração está aos pulos!
Quantas vezes minha esperança será posta à prova?
Por quantas provas terá ela que passar?
Tudo isso que está aí no ar: malas, cuecas que voam entupidas de dinheiro, do meu dinheiro, do nosso dinheiro que reservamos duramente pra educar os meninos mais pobres que nós, pra cuidar gratuitamente da saúde deles e dos seus pais.
Esse dinheiro viaja na bagagem da impunidade e eu não posso mais.
Quantas vezes, meu amigo, meu rapaz, minha confiança vai ser posta à prova?
Quantas vezes minha esperança vai esperar no cais?
É certo que tempos difíceis existem pra aperfeiçoar o aprendiz, mas não é certo que a mentira dos maus brasileiros venha quebrar no nosso nariz.
Meu coração tá no escuro.
A luz é simples, regada ao conselho simples de meu pai, minha mãe, minha avó e os justos que os precederam:
" - Não roubarás!"
" - Devolva o lápis do coleguinha!"
" - Esse apontador não é seu, minha filha!"
Ao invés disso, tanta coisa nojenta e torpe tenho tido que escutar. Até habeas-corpus preventivo, coisa da qual nunca tinha visto falar, e sobre o qual minha pobre lógica ainda insiste: esse é o tipo de benefício que só ao culpado interessará.
Pois bem, se mexeram comigo, com a velha e fiel fé do meu povo sofrido, então agora eu vou sacanear: mais honesta ainda eu vou ficar. Só de sacanagem!
Dirão:
“ - Deixa de ser boba, desde Cabral que aqui todo o mundo rouba.”
E eu vou dizer:
”- Não importa! Será esse o meu carnaval. Vou confiar mais e outra vez. Eu, meu irmão, meu filho e meus amigos. Vamos pagar limpo a quem a gente deve e receber limpo do nosso freguês. Com o tempo a gente consegue ser livre, ético e o escambau.”
Dirão:
" - É inútil, todo o mundo aqui é corrupto, desde o primeiro homem que veio de Portugal”.
E eu direi:
” - Não admito! Minha esperança é imortal!”
E eu repito, ouviram?
IMORTAL!!!
Sei que não dá pra mudar o começo, mas, se a gente quiser, vai dar pra mudar o final.


É impressionante como às vezes vemos ou ouvimos alguma coisa boa e nem nos damos conta. Eu já ouvi esse texto muitas vezes e nunca tinha prestando a atenção que ele merecia até ter minha atenção chamada nesse último final de semana e feriado de carnaval, pela minha namorada. Esse texto é declamado pela Ana Carolina naquele CD que ela fez com o Seu Jorge, lá pela faixa 9 ou 10 (ou 11, ou 12, ou 13...), mas a autora é a, mais conhecida como atriz, mas também poeta e jornalista, Elisa Lucinda. Elisa... com a devida vênia, coloco seu texto aqui, mas só porque quiserá eu ter tido a genialidade de tê-lo escrito.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Aliteração

Se era pra errar e pedir perdão,
Se era proposital que todo o esforço fosse vão,
Se era pra sofrer com a indefinição,
De ser um dia sim, de ser o outro não.

Se o universo for só um grão
Se comparado ao tamanho da tentação
Se não houver culpa, nem retaliação
Nem dor, nem rancor, capacidade de persuasão.

Se pra cada certeza, uma indecisão,
Se pra cada aposta, uma imprevisão,
Se pra cada medida, uma porção,
A mão que construiu o abrigo, agora nega repartir o pão.

Se o seu limite ainda for o chão,
Se o meu limite for aquela canção,
Se eu fizesse uma poesia pra você,
A faria bem assim, sem evitar essa aliteração.